Não saber o nome dela sempre a incomodou. Afinal, dos quatro
apartamentos do quinto andar só dois estavam ocupados: o 54 e o 51. E não era
tão difícil decorar o nome da sua única vizinha. Ainda mais quando a sua única
vizinha era a sua única vizinha há dois anos. Mas não, ela nunca conseguiu
decorar o nome dela. Imaginava que era Cida. Mas sempre que se encontravam,
fosse no elevador, fosse no hall de entrada, a moradora do 54 só a
cumprimentava como “vizinha.” Era “oi vizinha” pra cá, “oi vizinha” pra lá. Técnica
devidamente aprendida com seu pai para não passar vergonha de sempre perguntar por nomes já antes questionados.
A moradora do 54 tinha perguntado para o porteiro o nome da
moradora do 51 mais de uma vez. Tudo em vão. Só conseguia pensar em Cida, mesmo
tendo certeza que Cida não era o nome dela. Cida, que não era Cida, estava
sempre na companhia de sua cuidadora, cujo nome a moradora do 54 também não
fazia ideia de qual era, mesmo elas se encontrando todos os dias, às 9h30,
quando iam colocar o lixo para fora e conversavam sobre o tempo, a correria e a
vida. A moradora do 54 nunca soube se Cida é divorciada ou viúva. Ou se,
no alto dos seus 60 anos, nunca se casou. Cadeirante, precisa de ajuda para
entrar no elevador, mas pode ser encontrada pelas calçadas da Avenida Paulista
em alta velocidade em sua cadeira motorizada.
Cida tem um irmão engraçado, que de tempos em tempos aparece
para visitar a irmã. E, quando chega, não vai embora antes de completar pelo
menos um mês. Ele é diretor de teatro em Manaus e quando está em São Paulo realiza
saraus na Benedito Calixto. Todas as vezes fala que vai convidar a moradora do
54. Mas nunca o fez. Deve esquecer. Ou só fala da boca pra fora mesmo. Ele
também sabe cantar Happy Birthday to You
em tupi-guarani e uma vez o fez para a moradora do 54 enquanto eles estavam no
elevador. A moradora do 54 riu muito. A moradora do 54 também não sabe o nome
dele. Mas ele também não sabe o nome dela porque todas as vezes que se
encontram, ele pergunta “como é mesmo que você se chama?” Ela responde, mas
nunca devolve a pergunta. Acho que tem um pouco de preguiça.
Num sábado à tarde, a moradora do 54 assistia a algum episódio
de alguma série de televisão deitada em sua cama (ela adora séries de
televisão). A campainha tocou. Mas a moradora do 54 achou que fosse engano. E
não atendeu. Tocou de novo. Podia não ser engano. Na ponta dos pés se dirigiu ao olho mágico.
Imaginou que não adiantaria nada estar na ponta dos pés porque sua sombra
poderia ser notada do lado de fora, pela fresta da porta, mas foi na ponta dos
pés mesmo assim, caso fosse necessário disfarçar que não tinha ninguém em casa.
Era uma mulher vestida de branco, com
jeito de preocupada. A moradora do 54 resolveu atender. “A Mari está escorregando da cadeira. Você
pode ajudar?”
Mari, então era esse o nome dela. Ainda bem que nunca tinha
a chamado de Cida, pensou a moradora do 54 enquanto se dirigia descalça ao
apartamento vizinho. Mari, enquanto era ajudada pela moradora do 54, olhou bem
nos olhos dela e perguntou: como é mesmo que você se chama? Ela também não
sabia meu nome, pensou aliviada a moradora do 54. Agora sim, estavam quites. A
moradora do 54 voltou para casa e apertou o play para finalizar o episódio. Era
o último da terceira temporada.
2 comentários:
Que delicia ler...bjo e nunca pare
Postar um comentário