Diz que está solteira por opção. Opção dos homens, claro. Aos 28 anos, ela só pensa em se casar. Às amigas que namoram, ela só sabe perguntar quando é que será o casório. Às já casadas, não se cansa de perguntar quando chegam os filhos. As amigas já nem se importam mais. Não vão brigar com a colega solteira que guarda – e assume – um Santo Antônio de cabeça para baixo e afogado em um copo d´água trancado na escuridão do armário da lavanderia. Ela também come ao menos dois pedaços de bolo durante a festa de Santo Antonio e leva mais um naco para casa que é só para garantir. Garantir o que? Até agora, nada. Santo Antonio, esse impiedoso. Ou vai ver que ele só está esperando a hora certa para apresentar a ela aquele que será o responsável por lhe proporcionar a felicidade eterna. Eterna enquanto durar, claro. Ela insiste em maldizer Santo Antonio. As amigas casadas já tentaram a convencer a parar de maltratar o santo desse jeito. Mas nada é capaz de convencê-la.
Dia desses, de tanto sonhar acordada com o dia do próprio casamento, acabou por sonhar dormindo mesmo. Ela estava vestida de noiva e a caminho da igreja. Era um lindo vestido de renda, com véu e grinalda. Pelo caminho, a pobre noiva ia se dando conta de que não se lembrava quem era o noivo. E tinha ataques de loucura e gritava que não iria mais se casar. Ela encontrou os primos pelo caminho e perguntou a eles quem era o noivo. Todos riram, gargalharam, caçoaram dela, mas não contaram quem era o seu futuro marido. O desespero só aumentava. E ela em prantos. Quando chegou até a porta da igreja e espiou pelo lado de dentro, se deu conta que já estava atrasada e que todos a esperavam, mas os penteados das mulheres já começam a se desfazer e o mundo ficou preto e branco para a noiva desesperada. A conversa entre os convidados era que não haveria mais casamento e todos já se levantavam para deixar a igreja.
Enquanto o mundo desmoronava diante dos seus olhos, a noiva avistou os pais, também em prantos, e pensou que mesmo sem saber quem era o noivo, casaria mesmo assim, pois o pai e a mãe era tudo que ela tinha no mundo e não queria matá-los de desgosto e fazê-los passar tamanha vergonha diante de uma sociedade que havia se arrumado só para vê-la. Além do que, claro, essa poderia ser sua última chance de não morrer sozinha.
Foi então que decidiu entrar na igreja. E se deu conta de que estava com um bebê no colo. Meu Deus, ela já tinha um filho. A música começou e ela se dirigiu rumo ao altar, a passos lentos e curtos, mas os convidados a olhavam com cara de espanto, como se o destino dela fosse a morte. As pessoas começaram a se acomodar novamente. A mãe a abraçou, chorando de soluçar, e pediu a filha que não a abandonasse. A noiva continuou rumo ao altar. O noivo a aguardava com um fraque impecável, cinza, como a cor dos seus olhos. Mas ele estava de costas e não se moveu um só milímetro, nem para um lado e nem para o outro. Quando ela tocou em seu ombro e ele preparava para olhar para receber a noiva em seus braços, o despertador tocou e o sonho foi bruscamente interrompido. Isso já faz um mês. Ela continua sem saber o rosto dele. E todos os dias, desde então, pede a Deus que a deixe sonhar tudo de novo, mas que o noivo não a espere de costas.
P.S: Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência
Aurora
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Quando acompanhei com o olhar aquele galo se empoleirar no alto da
mangueira e bater as asas, me irritei profundamente. E aí, ele cantou… Quem
pensa que é ...
Há 3 anos
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