Ninguém sabia o nome de ninguém

Não saber o nome dela sempre a incomodou. Afinal, dos quatro apartamentos do quinto andar só dois estavam ocupados: o 54 e o 51. E não era tão difícil decorar o nome da sua única vizinha. Ainda mais quando a sua única vizinha era a sua única vizinha há dois anos. Mas não, ela nunca conseguiu decorar o nome dela. Imaginava que era Cida. Mas sempre que se encontravam, fosse no elevador, fosse no hall de entrada, a moradora do 54 só a cumprimentava como “vizinha.” Era “oi vizinha” pra cá, “oi vizinha” pra lá. Técnica devidamente aprendida com seu pai para não passar vergonha de sempre perguntar por nomes já antes questionados. 

A moradora do 54 tinha perguntado para o porteiro o nome da moradora do 51 mais de uma vez. Tudo em vão. Só conseguia pensar em Cida, mesmo tendo certeza que Cida não era o nome dela. Cida, que não era Cida, estava sempre na companhia de sua cuidadora, cujo nome a moradora do 54 também não fazia ideia de qual era, mesmo elas se encontrando todos os dias, às 9h30, quando iam colocar o lixo para fora e conversavam sobre o tempo, a correria e a vida. A moradora do 54 nunca soube se Cida é divorciada ou viúva. Ou se, no alto dos seus 60 anos, nunca se casou. Cadeirante, precisa de ajuda para entrar no elevador, mas pode ser encontrada pelas calçadas da Avenida Paulista em alta velocidade em sua cadeira motorizada.

Cida tem um irmão engraçado, que de tempos em tempos aparece para visitar a irmã. E, quando chega, não vai embora antes de completar pelo menos um mês. Ele é diretor de teatro em Manaus e quando está em São Paulo realiza saraus na Benedito Calixto. Todas as vezes fala que vai convidar a moradora do 54. Mas nunca o fez. Deve esquecer. Ou só fala da boca pra fora mesmo. Ele também sabe cantar Happy Birthday to You em tupi-guarani e uma vez o fez para a moradora do 54 enquanto eles estavam no elevador. A moradora do 54 riu muito. A moradora do 54 também não sabe o nome dele. Mas ele também não sabe o nome dela porque todas as vezes que se encontram, ele pergunta “como é mesmo que você se chama?” Ela responde, mas nunca devolve a pergunta. Acho que tem um pouco de preguiça.

Num sábado à tarde, a moradora do 54 assistia a algum episódio de alguma série de televisão deitada em sua cama (ela adora séries de televisão). A campainha tocou. Mas a moradora do 54 achou que fosse engano. E não atendeu. Tocou de novo. Podia não ser engano. Na ponta dos pés se dirigiu ao olho mágico. Imaginou que não adiantaria nada estar na ponta dos pés porque sua sombra poderia ser notada do lado de fora, pela fresta da porta, mas foi na ponta dos pés mesmo assim, caso fosse necessário disfarçar que não tinha ninguém em casa.  Era uma mulher vestida de branco, com jeito de preocupada. A moradora do 54 resolveu atender.  “A Mari está escorregando da cadeira. Você pode ajudar?”


Mari, então era esse o nome dela. Ainda bem que nunca tinha a chamado de Cida, pensou a moradora do 54 enquanto se dirigia descalça ao apartamento vizinho. Mari, enquanto era ajudada pela moradora do 54, olhou bem nos olhos dela e perguntou: como é mesmo que você se chama? Ela também não sabia meu nome, pensou aliviada a moradora do 54. Agora sim, estavam quites. A moradora do 54 voltou para casa e apertou o play para finalizar o episódio. Era o último da terceira temporada.

Pelo menos foi o que o seu Antunes me disse


Duas irmãs visitavam a família e passavam férias na Paraíba. Era agosto de 2011. A cunhada precisou voltar porque o marido teve um AVC. Em dois dias conseguiu chegar em São Paulo. No terceiro dia, o pai morreu, lá na Paraíba. Mas não deu tempo de ela voltar para o enterro e também precisava cuidar do marido, que continuava internado. Vinte e oito dias depois, o marido morreu. Mas pelo menos dessa vez ela estava presente para o enterro. Em 2013, ela voltou para a Paraíba, novamente acompanhada da irmã. Queria tirar as férias que não conseguiu em 2011. No meio das férias, ela precisou voltar de novo para São Paulo. O filho foi internado às pressas com uma infecção generalizada. Tem vinte e seis anos. Mas é mirradinho, sabe? Pelo menos foi que o seu Antunes me disse no curto trajeto de carro entre a Vila Mariana e o Paraíso. Antunes, católico, pensa até que chegou a hora de procurar um terreiro de umbanda para tirar a ziquezira. Ele diz que sofre pela cunhada e sofre pela mulher, que sé só lamentação por causa dos percalços da vida da irmã. As duas nunca se desgrudaram desde o nascimento. Gêmeas. Unha e carne. Pelo menos foi o que ele me disse. Talvez se o sobrinho fosse forte como um touro, Antunes tivesse mais fé que ele sairia dessa e a cunhada poderia voltar para a Paraíba e tentar mais uma vez descansar sem ter de pensar sempre no pior. Pelo menos foi isso o que Antunes me disse naquela corrida de táxi que não ultrapassou R$ 11.

Uma avant-première para esquecer

Conseguiu enxergar nas letras miúdas do convite que antes do início da sessão um coquetel seria servido. Pensou que só as pessoas importantes eram convidadas para pré-estreias e eventos com coquetel. Não que ela fosse importante. Mas ganhou o convite e não costuma recusar nada que é dado. Ainda mais quando o presente vem do chefe. A primeira coisa que fez quando o marido chegou em casa foi contar que teria um evento importante na próxima semana. “Certeza que servirão prosecco”, pensou, mas não comentou isso com o marido para não parecer que estava mais entusiasmada do que deveria . Mas era a primeira vez que ela recebia o convite para uma avant-première. É assim que eles chamam pré-estreia.  Eles quem? “As pessoas que frequentam esses lugares”, pensou, mas não disse.

Gente descolada. Gente com armações de óculos grandes e coloridas. Gente de cabelos vermelhos e despenteados. Gente fina. Porque esse pessoal de arte, de cinema, de televisão é tudo fino, pensou. Não que ela não fosse fina. Mas estava acostumada a frequentar locais com mulheres de tailleur e homens de terno e não festas com pessoas que combinam meia-calça vermelha com tênis All Star verde. Verde e de cano alto. E com cadarço laranja. Ela é advogada. De um escritório lá no Centro. Perto da Igreja da Sé. Conhecem? Refiro-me à igreja. O escritório com certeza vocês não conhecem.

Chegou o dia da avant-première, que ela não sabia direito nem como pronunciava essa palavra. Como ganhou o convite, ia sozinha. Mesmo sem conhecer ninguém. Uma amiga havia lhe dito para comer uma coisinha antes. “Nem que seja um pão de queijo.” Ela não entendeu direito porque precisava comer se haveria coquetel. Não comeu. Achou melhor economizar o dinheiro e comer de graça mesmo. Foi direto do trabalho. Só retocou a maquiagem. Não ia dar tempo de trocar de roupa. Mora na Zona Leste. Estava com uma foooooome. “Ainda bem que vai ter comida”, pensou.  

Pegou um trem e dois metrôs para chegar. Foi ao toalete e retocou de novo a maquiagem. O lápis de olho estava meio borrado. Perguntou ao segurança como fazia para chegar ao coquetel. “Só com convite”, ele respondeu. Não era isso que ela queria saber. “Só seguir reto nesse corredor”, consertou o segurança. “Idiota. Eu tenho convite”, pensou, mas não disse.

Ela estava, sim, um pouco ansiosa para a sua primeira pré-estreia, que teria a presença do diretor do filme e até alguns atores, que iriam conversar com os convidados no final. Quando encontrou o local do coquetel tomou o seu primeiro susto. “Que aperto”, pensou. Estava se sentindo praticamente no metrô no horário de pico. Ficou na ponta dos pés para tentar avistar em qual local o prósecco estava sendo servido. Avistou. Era longe. Imaginou que o garçom não chegaria até ela e decidiu se aventurar pelo salão. Chegaria ao local da bebida custasse o que custasse. “Dá licença, dá licença, dá licença.” Esbarrou numa senhora, o copo se espatifou no chão e o líquido espirrou na meia-calça vermelha. Na meia-calça da senhora e não na dela. A dela era cor da pele e não vermelha. Jamais usaria uma meia-calça vermelha, pensou. Pediu desculpas. Sentiu vergonha. Mas continuou a saga até o local das bebidas. Precisou dar umas cotoveladas para conseguir alcançar o destino final. Ela jamais confessaria para alguém que deu cotovelada nas pessoas. Afinal, isso não era fino. Se alguém visse, negaria até o final ou diria que foi sem querer. Mas sem um pouco de brutalidade teria assistido ao filme sem um mísero gole. Ufa, chegou. O garçom mandou esperar um pouco que precisava buscar mais garrafas na cozinha. E mais taças. Faltavam vinte minutos para a sessão começar. “Vinte minutos é o suficiente para eu tomar duas taças”, pensou. Não foi. Tomou só uma. Virou em dois goles. “Garçom lerdo”, pensou.


Na ponta dos pés novamente tentou avistar um garçom. Precisava comer um salgadinho que fosse. Lá vinha ele na sua direção. Resolveu esperar. Mas quando o garçom chegou a bandeja já estava vazia. Decidiu que ia esperar na porta da cozinha mesmo. Conseguiu chegar dando leves cotoveladas em uns dois ou três, mas pedindo desculpas na sequência. O garçom abriu a porta com a bandeja cheia de canapés. Canapés que ela sequer sabia o nome. Incrível, várias pessoas tiveram a mesma ideia que ela e uma multidão aguardava o pobre garçom no mesmo local: a porta da cozinha. Conseguiu alcançar, a cotoveladas, um salgado que ela não faz ideia do que era, mas tinha damasco e nozes e queijo. Tudo junto numa cestinha. Preferia uma empadinha de camarão. Não tinha. Ela queria era um gole de prosecco para empurrar aquela coisa. Não tinha. A sessão começou. Entrou. Não conseguiu ficar até o fim. Sua barriga começou a roncar. A pressão baixou. Não comia desde a hora do almoço. Saiu. Parou no boteco mais próximo. Sentou naquelas cadeiras de plástico que ficam na calçada. Comeu uma esfiha de carne. Comeu outra de queijo. Pediu uma cerveja de garrafa. “Garçom, manda também uma porção de amendoim. E mais uma cerveja, por favooooooor.” Na próxima pré-estreia, se for convidada para uma, irá seguir o conselho da amiga e comer uma coisinha antes, nem que seja um pão-de-queijo, pensou. E contou toda a sua história para o garçom. "Gente mais besta", respondeu o garçom. E completou: "O que é avant-première?"

Um sonho de casamento

Diz que está solteira por opção. Opção dos homens, claro. Aos 28 anos, ela só pensa em se casar. Às amigas que namoram, ela só sabe perguntar quando é que será o casório. Às já casadas, não se cansa de perguntar quando chegam os filhos. As amigas já nem se importam mais. Não vão brigar com a colega solteira que guarda – e assume – um Santo Antônio de cabeça para baixo e afogado em um copo d´água trancado na escuridão do armário da lavanderia. Ela também come ao menos dois pedaços de bolo durante a festa de Santo Antonio e leva mais um naco para casa que é só para garantir. Garantir o que? Até agora, nada. Santo Antonio, esse impiedoso. Ou vai ver que ele só está esperando a hora certa para apresentar a ela aquele que será o responsável por lhe proporcionar a felicidade eterna. Eterna enquanto durar, claro. Ela insiste em maldizer Santo Antonio. As amigas casadas já tentaram a convencer a parar de maltratar o santo desse jeito. Mas nada é capaz de convencê-la.

Dia desses, de tanto sonhar acordada com o dia do próprio casamento, acabou por sonhar dormindo mesmo. Ela estava vestida de noiva e a caminho da igreja. Era um lindo vestido de renda, com véu e grinalda. Pelo caminho, a pobre noiva ia se dando conta de que não se lembrava quem era o noivo. E tinha ataques de loucura e gritava que não iria mais se casar. Ela encontrou os primos pelo caminho e perguntou a eles quem era o noivo. Todos riram, gargalharam, caçoaram dela, mas não contaram quem era o seu futuro marido. O desespero só aumentava. E ela em prantos. Quando chegou até a porta da igreja e espiou pelo lado de dentro, se deu conta que já estava atrasada e que todos a esperavam, mas os penteados das mulheres já começam a se desfazer e o mundo ficou preto e branco para a noiva desesperada. A conversa entre os convidados era que não haveria mais casamento e todos já se levantavam para deixar a igreja.

Enquanto o mundo desmoronava diante dos seus olhos, a noiva avistou os pais, também em prantos, e pensou que mesmo sem saber quem era o noivo, casaria mesmo assim, pois o pai e a mãe era tudo que ela tinha no mundo e não queria matá-los de desgosto e fazê-los passar tamanha vergonha diante de uma sociedade que havia se arrumado só para vê-la. Além do que, claro, essa poderia ser sua última chance de não morrer sozinha.

Foi então que decidiu entrar na igreja. E se deu conta de que estava com um bebê no colo. Meu Deus, ela já tinha um filho. A música começou e ela se dirigiu rumo ao altar, a passos lentos e curtos, mas os convidados a olhavam com cara de espanto, como se o destino dela fosse a morte. As pessoas começaram a se acomodar novamente. A mãe a abraçou, chorando de soluçar, e pediu a filha que não a abandonasse. A noiva continuou rumo ao altar. O noivo a aguardava com um fraque impecável, cinza, como a cor dos seus olhos. Mas ele estava de costas e não se moveu um só milímetro, nem para um lado e nem para o outro. Quando ela tocou em seu ombro e ele preparava para olhar para receber a noiva em seus braços, o despertador tocou e o sonho foi bruscamente interrompido. Isso já faz um mês. Ela continua sem saber o rosto dele. E todos os dias, desde então, pede a Deus que a deixe sonhar tudo de novo, mas que o noivo não a espere de costas.

P.S: Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência

O vai e vem da vida

Duas irmãs visitavam a família e passavam férias na Paraíba. Era agosto de 2011. A cunhada precisou voltar porque o marido teve um AVC. Em dois dias conseguiu chegar em São Paulo. No terceiro dia, o pai morreu, lá na Paraíba. Mas não deu tempo de ela voltar para o enterro não e também precisava cuidar do marido, que continuava internado. Vinte e oito dias depois, o marido morreu. Mas pelo menos dessa vez ela estava presente para o enterro. Esse ano, ela voltou para a Paraíba, novamente acompanhada da irmã. Queria tirar as férias que não conseguiu em 2011. No meio das férias, ela precisou voltar de novo. O filho foi internado às pressas com uma infecção generalizada. Tem vinte e seis anos. Mas é mirradinho, sabe? Pelo menos foi que o seu Antunes me disse no curto trajeto entre a Vila Mariana e o Paraíso. Antunes, católico, pensa até que chegou a hora de procurar um terreiro de umbanda para tirar a ziquezira. Ele sofre pela cunhada e sofre pela mulher, que sé só lamentação por causa dos percalços da vida da irmã. As duas nunca se desgrudaram desde o nascimento. Gêmeas. Unha e carne. Pelo menos foi o que ele me disse. Talvez se o sobrinho fosse forte como um touro, Antunes tivesse mais fé que ele sairia dessa e a cunhada poderia voltar para a Paraíba e tentar mais uma vez descansar sem ter de pensar sempre no pior. Pelo menos foi o que o Antunes me disse. 


Troco o cartão da Porto Seguro por um Bilhete Único com créditos

Se alguém disser por aí que vendi meu carro porque nunca aprendi a fazer baliza eu nego até a morte. Nego que tenha vendido por esse motivo. Mas confirmo que nunca realizei uma baliza com primazia nesses dez anos motorizada. Nunca mesmo. Em todas que consegui chegar até o fim foram atos que me fizeram suar - independente da temperatura externa - e soltar alguns palavrões e pensar em maneiras de como criar um mecanismo que fizesse o carro se encaixar sozinho na vaga, de cima para baixo. Como um bloco de concreto ou uma peça de lego. Sei lá. Algo prático e fácil. Como deveria ser tudo na vida. Não falo isso com orgulho. Mas também não é nenhuma grande tragédia, convenhamos. É só uma baliza. É não. Era. Desde que vendi meu carro, há um ano, me livrei desse peso, desse carma, desse grande exercício físico e emocional que é o ato de realizar uma baliza. Multiplique por quatro o sofrimento quando o bar inteiro interrompe seus chopes e porções de batatas-fritas com ketchup para simplesmente te observar e fazer um bolão de que "certeza que ela vai subir na calçada, quer apostar?"

Já são 365 dias sem carro. Trezentos e sessenta e cinco dias que ele se foi para nunca mais voltar. Nunca diga nunca. Tá bom. Vou reformular a frase. Trezentos e sessenta e cinco dias que ele se foi. Ponto. Eu até gostava dele, mas nada de mais. No fundo, no fundo a gente só se dava bem porque ele era adaptado para transportar a minha bicicleta. E só. Tanto que em trezentos e sessenta e cinco dias sem ele só senti saudades uma vez, que foi ao ir para Bauru passar o Natal. Se ele ainda estivesse comigo a bicicleta teria ido junto. No lugar da magrela, levei tênis de corrida. Tudo bem também.

Vendi o carro porque a gente nem se encontrava mais. Eram 30 dias de ausência. Não há relacionamento que suporte toda essa distância, descaso e omissão. Às vezes descia até a garagem só para ver se ele ainda estava lá e fazer um carinho. Mas já não era mais a mesma coisa desde quando nos conhecemos. Havia chegado a hora de dizermos adeus um ao outro e ficarmos apenas com as boas lembranças. As más lembranças, como o dia em que o vidro elétrico travou na chuva, ou aquela vez que o motor pifou durante as férias, ou naquela noite em que o som foi levado pelos bandidos - esses ordinários que nos assombram diariamente - ou aquele sábado em que o pneu furou na estrada solitária, tudo isso já foi perdoado, mas devidamente computado na hora de assinarmos o nosso divórcio. Não vou nem falar sobre o IPVA, o seguro e a inspeção veicular. E também não vou escrever sobre as multas e preços exorbitantes dos estacionamentos.

Hoje ele foi devidamente esquecido por mim e espero que esteja fazendo bem a alguém, como me fez por um tempo breve. Troquei o cartão da Porto Seguro pelo cartão Fidelidade do Metrô e pelo Bilhete Único. Troquei o som do carro por um iPod repleto com músicas de rock e soul. Tem um Bob Marley também para os dias mais difíceis. Troquei a chave do carro pelos aplicativos de táxi. Isso sim é a grande invenção da humanidade. Aproveito aqui o momento para agradecer aos desenvolvedores desses aplicativos. Obrigada, vocês melhoraram muito a minha vida. Também tenho, como garantia, uma lista de taxistas amigos que podem levar minha bicicleta para lugares aonde não consigo chegar pedalando. Troquei os sapatos duros, que me causavam bolhas no calcanhar, por alguns modelos mais confortáveis e nem tão bonitos assim. Desculpem mulheres de salto de plantão, mas na vida é preciso optar entre a beleza e o conforto. Fiquei com a segunda opção.

Antes de continuar o texto reforço o que digo sempre: não quero impor meu modo de vida a ninguém, mesmo porque eu moro do lado do metrô e da Avenida Paulista, o que me permite o acesso fácil aos transportes públicos, que não, não são de qualidade. Além do mais, moro perto do meu trabalho. Portanto, a decisão de vender o carro foi tomada pensando em todas essas facilidades. Mas também preciso dizer que nunca fui apegada a automóveis. Desde que me mudei para São Paulo meus finais de semana já eram preenchidos com metrô, táxi e pernadas. As saídas à noite também. Afinal, nunca quis me preocupar com Lei Seca e sempre tive muito medo de causar um acidente e ferrar a minha vida de uma vez por todas. Preferia ir de passageira num táxi qualquer ao invés de abdicar da cerveja. Quando eu tinha 18 anos quase atropelei um motoqueiro ao sair de uma boate. Eu tinha bebido. Depois disso, nunca mais bebi e dirigi.

Não vejo carro como status. Acho apenas um meio necessário de locomoção. Mas parece que a regra hoje é mais ou menos assim: quem nunca teve, quer ter - o que é justo. Quem tem um pequeno, quer um grande e quem tem um grande quer ter dois grandes - que não sei se é justo. E também não tenho nada com isso.

E, tem mais. Tenho achado as pessoas meio loucas ao dirigir em São Paulo. Insanas mesmo. Nem parece que aquele cara dirigindo de maneira alucinada e buzinando para a velhinha de bengala sair da frente é aquele pai doce e carinhoso com os filhos. Tenho medo de ficar assim. Mais louca. E mais insana. Porque já tenho um pouco - ou muito - dessas duas características.

Taxistas se tornaram meus melhores amigos. Vocês não sabem como pode ser divertido uma boa conversa com esses motoristas. Eles têm maravilhosas histórias para contar. Também preciso dizer que me sinto ótima sempre desembarcando na porta dos estabelecimentos. Quando você é uma motorista que não sabe fazer baliza, tem o costume de parar na primeira vaga fácil que encontra e isso pode estar há quilômetros do seu destino final. Uma vez caminhei por 12 quarteirões. Não lembro quando foi a última vez que dirigi um carro. Se dirigir for como andar de bicicleta talvez eu ainda consiga. Se não for, avisem logo, pois posso ter me tornado um perigo no trânsito.

Dos tipos que encontramos no cinema

Tem gente que tira o sapato, tem gente que não desliga o celular, tem gente que não desliga o celular e atende o telefone baixinho quando o aparelho toca, tem gente que deixa o telefone no silencioso, mas continua a se comunicar pelo whatsapp, tem gente que coloca o pé na própria poltrona, tem gente que coloca o pé na poltrona da frente, tem gente que coloca o pé na poltrona da frente e fica chacoalhando, tem gente que fica comentando o filme todo com a amiga do lado, tem gente que fica beijando o namorado, tem gente que come pipoca, tem gente que come sozinha um saco de pipoca gigante, tem gente que divide a pipoca, tem gente que não divide nem a pau, tem gente que come a pipoca toda ainda nos trailers, tem gente que termina o filme sem ter terminado a pipoca, tem gente que não come pipoca, tem gente que prefere bala, tem gente que prefere chocolate, tem gente que só toma água e tem até gente que toma vinho acompanhado com tábuas de frios servido por garçom.  Tem gente que chega atrasada, tem gente que chega atrasada e liga o celular para fazer de lanterna e tentar encontrar a poltrona, tem gente que deixa o lixo na poltrona depois que o filme termina, tem gente que leva o lixo para o lugar certo, tem gente que levanta assim que o filme acaba, tem gente que só levanta quando os créditos se encerram, tem gente que chega e já procura as saídas de emergência caso o local pegue fogo, tem gente que mal enxerga os degraus, tem gente que vai sozinha, tem gente que não vai sozinha por nada nesse mundo, tem gente que leva a mãe, tem mãe que leva o filho, tem filho que leva o irmão, tem irmão que leva o sobrinho e tem sobrinho que leva a tia. Tem gente que já dá problema na fila. Tem gente que paga meia entrada mas não leva o comprovante, mas quer pagar meia entrada mesmo assim, tem gente que não consegue decidir por nada nesse mundo qual poltrona livre irá sentar, tem gente que pede a opinião da atendente para decidir qual poltrona sentar, tem namorado que paga para a namorada, tem namorado que só paga o próprio bilhete, tem gente que esquece o cartão e não consegue pagar, tem gente que reclama do ar condicionado, tem gente que reclama do calor, tem gente que antes vai às compras e entra para o filme com sacolas que fazem barulhos, tem gente que dorme, tem gente que dorme e ronca, tem gente que sai no meio do filme, tem gente que aguenta até o final por pior que seja, tem gente que levanta para ir ao banheiro, tem gente que levanta para comprar mais pipoca, ou mais coca-cola, tem gente que gosta de sentar nas poltronas do canto, tem gente que prefere as salas VIP, tem gente que prefere as poltronas do canto para namorar, tem gente que reclama do preço, do tamanho da sala e da projeção, tem gente que só vai ao cinema aos finais de semana, tem gente que se arruma para ir ao cinema como se fosse uma festa, tem gente que só gosta de filme alternativo, tem gente que só assiste blockbuster, tem gente que assiste qualquer coisa e tem até gente que assiste musical-iraniano-de época, tem gente que vai muito, tem gente que vai pouco e tem gente que não vai ao cinema porque nem gosta de filme.
Todos nós temos um pouco de tudo ou um tudo de pouco, mas ontem eu conheci um novo tipo de gente no cinema, aquele tipo que lê as legendas em voz alta. Esse tipo também pode ser classificado como gente que faz você se desconcentrar dos filmes ou ainda gente que te faz ter vontade de pedir para ela parar com isso peloamordedeus ou ainda gente que te faz pensar que cada um tem mesmo a sua estranha mania.

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Jornalista. Ardida. Gosta de livros, música, Mafalda, São Jorge, sorvete, corrida e bicicleta. Canta sozinha na rua e conta helicópteros no céu.

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Um blog para compartilhar aquilo que nem sempre há pessoas para compartilhar.

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